Click here to read the english version
A psiquiatria conceitua o voyeurismo como distúrbio psicossexual: o doente tem excitação pelo contemplar, pela observação fundada em razões que escapam aos padrões sociais aceitos como normais. O voyeur tem fantasias estranhas e frequentemente inflige a sim mesmo o que para pessoas normais é um sofrimento.
Somos uma espécie rara e patológica de voyeurs da natureza. Nós nos excitamos com montanhas impávidas, riachos de águas selvagens e escandalosas, pradarias ingênuas, imensidões de rochas e gramíneas silenciosas. Temos adoração por lugares onde quase ninguém chega, e menos gente ainda chega pedalando. Para uma pessoa “normal”, soa doentio alguém pedalar mais de uma centena de quilômetros num único dia de viagem e repetir a experiência ao dia seguinte, e depois e depois, para, finalmente, ao chegar de volta, já começar a planejar a viagem seguinte. Tudo basicamente para observar a natureza. Somos integrantes do grupo de ciclistas e cicloturistas de Londrina denominado Pedais Vermelhos, amigos e cúmplices na enfermidade do voyeurismo dos lugares selvagens. Temos a ética de uma verdadeira seita, com rigorosos princípios e tábua de valores turísticos: a cada ano, mal finalizada uma viagem de bike, iniciamos o sonho da próxima. Somos insaciáveis consumidores de trilhas de montanha, paisagens bucólicas, vilarejos. Adoradores do cheiro das matas e da sinfonia de pássaros, cigarras e bichos, nós nos hospedamos em qualquer canto e inventamos banquetes nonada. Somos loucos: completamente loucos pela natureza.
Viagens pela Terra Brasilis
Já viajamos aqui na Terra Brasilis por diversos lugares deslumbrantes. Pela Serra da Canastra em 2001, uma de nossas primeiras aventuras. Pelos cânions de Santa Catarina e Rio Grande do Sul (em 2002 e 2018). Pela Estrada Real por três vezes, a primeira delas em 2004, depois reprisada de seis em seis anos — com cada percurso incluindo variantes mais encantador e desafiador que o anterior —, sempre começando na vetusta Ouro Preto e virando a chave de ouro em Paraty, depois de sofrer a torturante subida de Lagoinha. Já fizemos o Caminho da Fé, saindo de Tambaú (SP), cruzando as montanhas da Mantiqueira, passando por Campos do Jordão, Aparecida e Lagoinha (SP), para depois descer o tobogã de Cunha a Paraty (Rj). Andamos pelo encantado Vale Europeu de Santa Catarina mais de uma vez. Fizemos o Circuito das Araucárias, belo e duríssimo trajeto também catarinense, que você percorre sempre sob a escoltado das gigantescas árvores de tronco ereto e copa de candelabro. Já saímos de Londrina pedalando até alcançar o litoral por três vezes, chegando a Itapoá (2002), em Santa Catarina, depois Antonina (2009) e finalmente em Itapoá outra vez (na verdade, indo até um pouco adiante, São Francisco do Sul, celebrando os 20 anos da primeira aventura).
Aventuras no Velho Continente
Já perambulamos pelo Velho Continente também. Constamos que não há um Caminho de Santiago, pois o caminho se faz ao caminhar, e nós o fizemos duas vezes. Turistamos na França. Fizemos a Via Cláudia Augusta, de Munique a Veneza, subindo o famoso rio Danúbio e o rio Lech (menos conhecido, mas não menos bonito) e transpondo os Alpes pelo Reschen Pass, depois de cinderelar pelo Neuschwanstein, o castelo do maluco rei da Baviera que por alguns instantes fez das nossas vidas um conto de fadas. Já cruzamos a Suíça, saindo de Rorschach, na região nordeste do país alpino, nas barbas da Alemanha — e nas bordas do Lago de Constança —, e pedalamos até Genebra, enfrentando as mais belas montanhas e paisagens que a retina humana é capaz de contemplar. Cavalgamos nossas bikes na Escócia, saindo de Glasgow e indo até Inverness, num percurso épico que saltitou por vales deslumbrantes, como o do Rio Etive, por Inversnaid e Fort William, conhecendo a Ilha de Skye, a casa de Mister Paul (ao lado do Castelo de Eilean Donan, aquele do cinema) e o exuberante e incomensurável Glen Affric, até chegar na capital das Highlands, onde descobrimos que o esporte nacional do escocês não é o uísque e sim o hiking. Peregrinamos a Via Francigena, nossa aventura mais dura e longa, desde Genebra até Roma, vencendo os Alpes pelas montanhas infinitas e geladas do Grand Saint Bernard (2.496 metros de altitude), escalando colinas da dura topografia italiana, até chegar, sempre por trilhas, até o Vaticano, num total de mais de 1.200 quilômetros pedalados. Noutra viagem, na Irlanda, fomos conferir a pesquisa da National Geographic: a península de Dingle deve ser mesmo o lugar mais belo e charmoso do mundo (daremos o veredito final depois de conhecer o restante do Planeta). O sol irlandês é fugidio e brilha preguiçoso, recortado pela chuva fina e insistente, mas a cerveja típica de cada região é intensa e única. A costa escarpada da ilha convive com o oceano lânguido e voluptuoso, num encontro sensual e relaxante. No Cliffs of Moher (para certas pessoas, apenas uma perambeira), séculos de ondas do oceano Atlântico esculpem com talento o paredão de mais de 200 metros de impávidas rochas. Depois disso, fizemos giro do Tirol, basicamente na Áustria, mas penetrando também terras tirolesas da Alemanha, da Suíça e da Itália. No Tirol tivemos nossa primeira experiência alugando e-bikes, as bicicletas assistidas, que nos permitiram escalar montanhas intransponíveis e experienciar down hills de adrenalina infinita.
Próxima aventura: Alpine Bike
A próxima aventura será o Alpine Bike. Uma rota alucinante, com a escalada de uma dezena de montanhas nos Alpes suíços, austríacos e italianos. Na mais audaciosa delas todas, a do Passo dello Stelvio, chegaremos ao céu e poderemos colher nacos de nuvens com as mãos, a quase 2.800 metros de altitude. Primeira viagem deste grupo dos Pedais Vermelhos documentada em texto, fotos e arquivos de GPS na internet, o Alpine Bike vai democratizará nossa enfermidade: você verá as imagens todas e também saberá como cada etapa e cada momento da aventura foram construídos. Desde a ideia inicial e do rascunho do roteiro, um ano antes, até a definição do trajeto final, da data, da compra das passagens aéreas, da escolha do seguro, da hospedagem, da alimentação, para, finalmente, ver como tudo rolou. Não apenas a logística, mas também um pouco de sua base teórica e humana: as relações de amizade sobre as quais a viagem se edifica. Venha com a gente.